Quase metade dos brasileiros não lê rótulos de alimentos

Embora tenham informações essenciais para uma escolha alimentar saudável, os rótulos dos alimentos ainda são deixados de lado por quase metade dos brasileiros.

Pesquisa do Datafolha, encomendada pela Aliança de Controle de Tabagismo (ACT), organização que atua na área de promoção da saúde, mostra que 48% dos brasileiros não costumam ler as informações do rótulo – como ingredientes e a tabela nutricional.

E entre os 52% que leem esses dados, é alto o percentual daqueles que afirmam entender apenas "mais ou menos": 35% (outros 14% dizem que entendem bem e 3% que não entendem).

A pesquisa, realizada em agosto, ouviu 2.573 pessoas em 160 cidades. A amostragem buscou ser representativa.

“Será que as pessoas entendem mesmo e sabem o que significa aquilo que está no rótulo?”, questiona a diretora-executiva da ACT, Paula Johns.

O resultado reforça um debate que tem movimentado as entidades da saúde e de defesa do consumidor e obtido apoio de representantes do governo: afinal, como deixar o rótulo mais “acessível” e claro ao consumidor?

Foi uma pergunta como essa que impulsionou o movimento Põe no Rótulo, que reúne mães de crianças alérgicas. “Precisávamos ler os rótulos e não entendíamos. Era tanto termo técnico que nem parecia português. E nossos filhos passavam mal por consumir esses produtos sem informação adequada”, relata Priscilla Tavares, 37.

A pressão fez a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) obrigar, neste ano, a inclusão de alertas a alérgicos caso o produto contenha amendoim, ovos, camarão, entre outros.

Agora, a agência finaliza uma nova norma para que seja informada também a presença de lactose.

Para o ano que vem, a proposta é discutir como deixar mais visíveis nas embalagens o teor de açúcar, sódio e gorduras – que, em excesso, podem aumentar o risco de doenças cardiovasculares.

Segundo o diretor-presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, um grupo de trabalho formado por membros da agência e de outras entidades já estuda o tema.

“A tendência é, mundialmente, dar mais visibilidade [a essas informações]. Estamos estudando se será na frente do rótulo ou não.”

Outra alternativa, diz Barbosa, é apresentar comparações com o valor recomendado para consumo diário.

“Um exemplo seria poder saber que aquela quantidade corresponde a 10% ou 50% do que a pessoa deveria consumir em um dia. Se tenho dois produtos e um tem o dobro de gordura do outro, isso ajuda a fazer a escolha.”

COM LUPA

Apesar da quantidade de calorias, sódio, carboidratos e gorduras ser obrigatória desde 2003, nem sempre essas informações são “acessíveis” ao consumidor.

Para a nutricionista do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) Ana Paula Bortoletto, falta transparência e clareza. “As pessoas já valorizam a informação do rótulo, mas, como há dificuldade de lê-lo, isso desestimula a procurá-la.”

Ela cita levantamento do instituto que mostra que o uso de letras pequenas, de termos técnicos – como chamar açúcar de “sacarose” – e a necessidade de fazer contas são os principais inimigos de quem tenta ler os rótulos.

“Como a quantidade é por porção, é preciso fazer regra de três para saber se estamos consumindo sódio de acordo com as recomendações da OMS. Já passou da hora de adotarmos um modelo para comparar o valor nutricional dos produtos.”

Foi essa tentativa de decifrar os rótulos que levou a nutricionista Samantha Peixoto e dois amigos a criarem o “Desrotulando”. Tudo começou em 2012, quando ela viu uma propaganda que citava as vantagens em consumir maionese em vez de azeite de oliva. Intrigada, foi olhar os dados da embalagem.

O resultado, diz, era diferente do anunciado. Inicialmente, o trio publicava as informações em um site. Agora, mantém um aplicativo para ajudar as pessoas a comparar os produtos.

Para ela, os fabricantes poderiam facilitar as informações ao consumidor. “Muitos deixam mais em evidência o que querem. E o consumidor acaba sendo levado ao engano porque compra achando que é uma coisa que não é.”

A Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) afirma que é legítimo demandar por informações mais claras e participar das discussões sobre mudanças nos rótulos, mas defende que essa não seja a única medida. Outra opção seria ampliar o acesso à educação nutricional (nas escolas, por exemplo).

Fonte: Folha de S. Paulo