Novas normas da Anvisa obrigam indústria alimentícia a mudar sistema de rotulagem.

Entra em vigor no dia 3 de julho a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que apresenta as novas regras para rotulagem de alimentos industrializados. A partir desta data, as empresas devem alertar os consumidores sobre os ingredientes alergênicos presentes – direta ou indiretamente – em seus produtos. Ficam dispensados da nova regra os produtos embalados e comercializados no próprio estabelecimento, os embalados a pedido do consumidor e alimentos comercializados sem embalagem.

A iniciativa deve melhorar as condições de vida de uma parcela significativa da população. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), de 6% a 8% das crianças com menos de seis anos de idade sofrem com algum tipo de alergia alimentar. Entre os adultos, o número cai para cerca de 3%. A empresária Adriana Fernandes, por exemplo, precisou transformar sua dieta após o nascimento de seu segundo filho, alérgico a múltiplas proteínas. Para continuar amamentando sem prejudicá-lo, ela foi obrigada a se alimentar somente com produtos livres de alergênicos. Esta experiência a motivou para fundar a Mandala Comidas Especiais, atualmente a única empresa no Brasil a produzir alimentos totalmente livres de ingredientes danosos aos sensíveis. Segundo ela, “escolas e hospitais começaram a comprar conosco pois encontraram em um único produto a solução para atender pessoas com restrições alimentares diversas”.

Adriana também presenciou a formação do grupo Põe No Rótulo, criado nas redes sociais por mães de alérgicos. A atividade de conscientização do grupo, hoje com 125 mil seguidores, foi essencial para a elaboração da resolução da Anvisa. “O Põe No Rótulo é uma conquista do empenho materno, do desprendimento pessoal de lutar pelo que se acredita e representar milhares de pessoas”, comenta.

ALERGIA

Para Flávio Finardi Filho, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e especialista em Ciências dos Alimentos, a determinação deve ser comemorada. Segundo ele, “o melhor remédio é a dieta de restrição. Daí vem a necessidade da implementação das novas regras de rotulagem, que são fundamentais para que o consumidor tome os cuidados necessários durante a formação de sua dieta”.

Finardi explica que o distúrbio se inicia em uma “falha” do processo de digestão, quando o alimento não é perfeitamente digerido. “Uma proteína parcialmente hidrolisada, ou um fragmento dela, passa pela mucosa intestinal do indivíduo e, na corrente sanguínea, é reconhecida como uma ameaça pelo sistema imunológico. Começa então um processo de defesa contra aquele agente invasor”, ressalta.

Enquanto as novas normas não entram em vigor, é fundamental que os sensíveis a alérgenos saibam como se proteger. O médico Jorge Elias Kalil Filho, professor de Imunologia Clínica e Alergia da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), alerta: “O diagnóstico correto é fundamental. O indivíduo sensível deve evitar os alimentos potencialmente nocivos e ter um bom plano de ação para situações de emergência, sempre orientado por um médico”.

A deliberação da Anvisa é inédita, mas, na realidade, reitera uma obrigação já formalizada no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Amaury Martins de Oliveira, ex-diretor da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), explica que “o CDC é claro ao estabelecer que no momento da oferta, ou seja, no rótulo do produto, é dever do fabricante informar suas características e composição, assim como os riscos que tal produto possa apresentar à saúde e à segurança do consumidor”.

A resolução em questão surgiu a partir de uma consulta pública, realizada em 2014 (nº 29 de 5/6/2014), e uma audiência pública, realizada em 2015 (nº 17 de 4/2015). Desde então a indústria tem se mostrado resistente à implementação das novas regras, inclusive através de consecutivos pedidos de prolongamento do prazo de adaptação (estabelecido em 12 meses). Como todos os pedidos foram negados, as empresas que desrespeitarem a determinação da agência devem ser sancionadas a partir de 3/7, como explica Carlos Portugal Gouvêa, professor do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito (FD) da USP. “Quem descumprir a resolução incorre em infração administrativa e está sujeito à aplicação das penas dispostas na Lei 6.437/1977”, adverte.

As punições previstas para infrações sanitárias, no artigo 10 da Lei 6.437, são: advertência, inutilização, interdição e/ou multa. Gouvêa ressalta, no entanto, que as empresas podem ser responsabilizadas também pela via judicial, através de ações civis públicas ajuizadas por entidades, cidadãos ou pelo Ministério Público. Nestes casos, “as formas de reparação podem ser múltiplas, incluindo multas por danos materiais e morais, obrigações de fazer (por exemplo, retirar o produto de circulação), dentre outras”, salienta o professor.

Fonte: Aditivos Ingredientes